Saber o nome das árvores, reconhecer o canto dos pássaros e não ter medo de andar com os pés descalços é um privilégio raro. Mas o artista plástico Robert Ballantyne queria que a pequena Mari tivesse esse prazer. Ele e a esposa, a designer de jóias paulista Lia Hattori, sentiram que era hora de mudar para Tiradentes logo que a menina nasceu. Antes disso, eles viviam em São Paulo e gastaram muitos tostões em pousadas e hotéis nas freqüentes viagens que faziam à cidade mineira. Num dos passeios, descobriram um terreno que permitia ver e ouvir os sinos da igreja matriz. Ali, Robert começou a construir sua casa, com paredes de antigos tijolos de adobe e materiais de demolição. Ao ver o caminhão descarregar na calçada a pilha de tijolos usados, uma vizinha comentou: "Coitados! Eles não têm dinheiro para comprar material novo". Mal sabia que as peças de barro foram garimpadas como ouro e eram um pedido de Robert a seu amigo Reco, o arquiteto mineiro Marcos Borges, responsável pelo projeto e pela busca de elementos de demolição. Os tijolos de terra crua tinham encantado Robert anos antes, quando ele entrou na casa de um tiradentino e percebeu que, apesar do verão intenso, os espaços internos estavam frescos. Claro que o adobe sozinho não opera tal milagre - é preciso prever boa circulação de ar e cobertura correta -, mas foi suficiente para determinar a escolha desse tipo de alvenaria. "Peças de demolição também me encantam por sua beleza e pela possibilidade do reaproveitamento", conta Robert, sinalizando suas preocupações com a preservação ambiental. O que mais impressiona é a variedade de madeiras nobres. São angelins, aroeiras, piúnas, canelas e outras 20 espécies, vindas de fazendas goianas, de casarões mineiros e de uma igreja capixaba. Robert teve o cuidado de pedir ao carpinteiro que anotasse os nomes para depois fazer um mapa da presença delas na casa: um respeito a árvores que, derrubadas possivelmente nos séculos 18 e 19, passaram por tantas histórias e hoje estruturam o recanto onde vive esta família.

A família Balantyne: Lia, Mari e Robert.

Os encontros de vigas, pilares e tesouras são feitos só com encaixes, um trabalho de entalhes elaborado por carpinteiros locais.

Na escada, o guarda-corpo de ferro é novo, da Casa da Lata, mas a parte de cima do corrimão usa componentes da roda de um velho carro de boi.

O assoalho de vinhático antigo foi tratado com cupinicida e encerado. Novo, só o forro de ipê. Na estrutura, o morador deixou à vista as imperfeições da madeira – o pilar, cheio de furos, apoiava as taquaras de uma parede de pau-a-pique antes de vir para cá.

Em cada detalhe, uma história: até os cachorros (peças que sustentam o beiral) foram desenhados pelo morador. Para fazer as portas e as janelas, o arquiteto comprou 3 m3 de peroba-do-campo antiga.

Aqui, vê-se o baldrame, uma viga de concreto que arremata o alicerce, evitando o contato do adobe com a umidade.
Até Mais!

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